quarta-feira, 12 de março de 2014

Pedra, papel tesoura... lápis e borracha!


Ontem a Valentina veio me convidar pra jogar "pedra papel tesoura.... lápis e borracha"

"Daonde lápis e borracha Vale?"
"Borracha apaga o lápis, ué!"

Tô ficando velha mesmo... E a Vale, Sheldoniana 

#Valentinices

Da Paz Violenta do Status Quo

Essa semana eu e a Vale fomos ao cinema assistir “Uma Aventura Lego”. Achei que seria apenas mais uma animação voltada para o público infanto-juvenil e adultos nostálgicos. Mais eis que na verdade o roteiro era bastante interessante, desses que rendem uma boa análise da sociedade – em especial do momento específico que se vive hoje no Brasil. Na história, o poderoso Sr. Negócios estabeleceu fronteiras entre os “mundos lego”, proibiu e perseguiu a ação dos “mestres construtores” (que realizavam a constante montagem e desmontagem das peças lego, garantindo constantes mudanças e interação entre os mundos diferentes), e estabeleceu um manual de regras, que os moradores da cidade lego seguiam, garantindo a ordem diária, tudo acontecendo sempre da mesma maneira. O objetivo final do Sr. Negócios é usar uma cola nas peças e personagens para que tudo fique no lugar “certo” para sempre. Estático. Nessa cidade onde tudo acontece em perfeita ordem, existe uma música hit com uma mensagem positiva chiclé, a qual todos escutam e ficam felizes reproduzindo sua rotina sem questionamentos. “Tudo é incríveeeell”.
Homogeneização, ordem, segregação das diferenças. O Sr. Negócios tinha horror a falta de organização, a construção de novos objetos, a qualquer coisa que saísse do lugar que ele (e todo um processo histórico) estabeleceu como certo. E é por aí que andam os caminhos da democracia da Terra Brasilis. Nós vivemos nesse lindo país tropical, abençoado por Deus (só, e somente só o da tradição judaico-cristã), bonito por natureza e: politicamente democrático. Só que não. Só que não. Porque tão logo apareçam questionamentos – levados a sério, e manifestações – que não juntam mais apenas 50 pessoas como há alguns anos atrás, o conceito de repente se perde. Nunca oficialmente, é claro, mas sim na prática. Na prática da PM, das falas da mídia tradicional, dos políticos, e da própria população que repete mantras reacionários sem nenhum discernimento e reflexão político-social que se possa chamar sério. Porque assim como o Sr. Negócios, a maioria da população não gosta de se indispor. Não gosta de quem reclama, de quem questiona, de quem luta por alguma idéia. Não gosta de ver a sua ordem ritual sagrada ser ameaçada pelo caos. Pensar é vandalismo. Agir é vandalismo. Então, é dever cívico (e democrático) conter a diferença e a mudança. Essa é a paz violenta do status quo.

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Mas a paz violenta do status quo não está presente apenas nesse cenário macroestrutural. Ela está presente no dia-a-dia, nas diversas “corriqueirices” que deixamos passar por nós – porque não dá pra gente viver se incomodando com “qualquer coisa”. Ano passado na escola da Vale não ia haver festa de Halloween – o que achei estranho, visto que todos os anos acontecia. Ok, eu não me importo de fato com o halloween. Porém, no dia seguinte veio o bilhete que seguinte aconteceria a “festa do ridículo”. Achei mais esquisito ainda. No dia 31/10, o telefone da escola infantil onde eu trabalho toca e atendo uma mãe, evangélica, reclamando sobre a festa do dia das bruxas. Foi aí que entendi. No final da tarde, cheguei à escola da Vale e perguntei: por que não vai ter a festa de halloween esse ano, mas essa festa do ridículo? A resposta: “ahhhh, é que estamos com muitos alunos evangélicos na escola, e as mães não iriam trazer as crianças, fiquei com pena dos que não iam poder participar da festa”. Argumentei que achava um absurdo uma questão religiosa interferir assim resultando no não-acontecimento de uma festa para todos os outros que não partilham dessa religião. A escola é particular, mas não é confessional. A educação nesse país não deveria ser LAICA, não? O resultado foi uma festa do ridículo do dia 01/11 com quase todas crianças vestidas de bruxas ou monstros. Mas, ok, afinal, estavam todos salvos do pecado. A festa foi um dia depois do 31, e NÃO ERA de halloween afinal. Hipocrisia, seria o nome e sobrenome. E, fique claro, essa não é uma defesa a festa de dia das bruxas. Se a resposta a minha pergunta tivesse sido: não haverá halloween porque não consideramos uma festa de nossa cultura e bláblá, não existiria problematização. A questão é dentro de uma instituição de ensino, responsável pela educação de crianças de 0 a 6 anos de idade, uma decisão ser tomada por conta de argumentos religiosos dos quais partilham apenas parte das pessoas. Afinal, é uma coisa tão boba né, só uma festa de halloween. Pra que me indispor, se a gente muda o nome e tá tudo resolvido. Recebi hoje o calendário/2014 da escola, e esse ano tcharammm: Baile do Rídiculo, dia 31/10. Ridículo mesmo é tomar uma decisão por conta de uma minoria que cada vez mais ganha espaço simbólico-cultural no país com um discurso discrimatório, preconceituoso e segregacionista. Isso representa uma deseducação. Fazer o que, se nada mais é sério mesmo. E é nesse país, que se pensa tornar num breve futuro a educação infantil obrigatória desde o berçário – é, sim, ouvi mais essa hoje. A paz violenta do status quo é foda.

#Youbetterrunforyourlifeifyoucan,littlegirl