quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ahí, pero dónde, cómo


"No depende de la voluntad"
(Julio Cortázar)

De repente, ontem, me deparei com essa frase, nas páginas de Cortázar. Era um conto, Ahí pero dónde, cómo. Um tanto perturbador. Denso, tenso, sôfrego. Daqueles que a gente tropeça nas letras enquanto lê, e entende sem se apegar exatamente ao sentido literal - mas sim as sensações que brotam como coisa viva. Quase possível ouvir o retinir das teclas de uma velha máquina de escrever, quase possível ouvir o semi-silêncio do cigarro queimando na penumbra, quase possível sentir a textura do vidro de uma janela entreaberta&embaçada numa numa noite fria de inverno. Uma estética que embora seja imaginada - pois que o conto em si não tem nada a ver com cigarros e invernos -, subitamente emergiu quase plástica. Deve ser a narração em primeira pessoa, que faz a gente se transportar para a dimensão que o autor ocupa. O conto é um fluxo de consciência, no qual o narrador fala de como "sente-a-certeza" de que um amigo que morreu a mais de 30 anos ainda está vivo. Ele está sempre vivo, e ele sempre está prestes a morrer outra vez, e ele sempre morre, e ele logo volta ao momento precedente a morte outra vez, e assim sucessivamente - no sonhos, na realidade. Anyway. Quando eu li a frase que abre o Conto: "Não depende da vontade.", eu senti aquele entendimento e identificação que sobrevêm imediato quando algo diz respeito a nós mesmo - quando algo dialóga conosco DE FATO - e não é apenas uma informação que passa e vai embora. Essa frase sintetiza o sentido de tantas coisas espalhadas&esparças que fazem parte da minha suposta concepção essencialista/estruturalista de mundo. E também se harmoniza muito bem com a idéia do Eterno Retorno (aliás, a estrutura/temática do conto remete a um eterno retorno, a ciclicidade dos eventos). Eu não falo aqui do corriqueiro e cotidiano, eu falo daquilo que subjaz. Falo no sentido metafísico da vida, da morte, da existência - e dos sentimentos todos que nos fazem humanos, também. Eu acredito que essas coisas todas que são as realmente importantes, elas não dependem da vontade. Elas simplesmente "São". Não sei como, por que, de onde - o que explica, o que não explica. Mas nada do que se sente pode ser manipulado do interior ou construído como verdade. As coisas brotam de si mesmas. Sejam elas Acasos, sejam elas Destinos.


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